medo do tédio

26/06/2025

medo do tédio

hoje em dia, temos medo do tédio, mas a verdade é que aceitá-lo como parte da nossa existência pode ser mais proveitoso do que nos ocuparmos com entretenimento e recompensas baratas.

POV

tradução: mudo

Tenho dado mais atenção ao silêncio. Há muito tempo, escrevi aqui um texto sobre a ação da dopamina, um neurotransmissor relacionado a sensação de recompensa, surpresa e prazer.

Os leitores assíduos e mais antigos talvez se lembrem, mas, se esse não é o seu caso, deixo aqui essa reflexão posterior e relevante para o nosso contexto.

Muito se fala sobre como somos bombardeados por estímulos dopaminérgicos a cada instante e como isso pode nos deixar mais ansiosos e viciados. Contudo, quero trazer à luz hoje o que considero uma das principais questões nessa história toda: a desatenção.

Estamos mais desatentos e, consequentemente, menos presentes em tudo o que fazemos. O motivo? Estamos sempre realizando várias tarefas ao mesmo tempo.

Duvido você nunca ter sentido alguma dessas sensações:

  • Memória muito ruim ultimamente;

  • Não ver 30 minutos se passarem como se fossem 5 rolando a tela do celular;

  • Cansaço e certa apatia em relação a quase tudo;

  • Solidão e vazio em diferentes momentos — mesmo rodeado de pessoas.

Nos últimos tempos, percebi que essas e outras questões têm a mesma raiz: desatenção.

Como percebi isso? Venho, por alguns motivos, praticando o silêncio.

  • Não tenho ouvido música nem no trânsito, nem para fazer exercícios (sim, corro na esteira sem fone).

  • Não ligo a televisão só para me fazer companhia e tenho evitado assistir muitos vídeos na internet.

  • No início e no final do meu dia, tenho cultivado alguns minutos para simplesmente ficar em silêncio — de preferência, em contato com a luz e o ar natural.

Pode parecer bobagem, coisa de hippie e positividade tóxica para muita gente. Mas ao mesmo tempo, acredito que, mesmo quem pensou nisso, já imaginou também que não deve ser algo muito fácil de fazer — e realmente não é.

Pode parecer bobagem mesmo — eu achava que era. Isso até sentir na pele como estou mais calma desde que comecei a praticar o silêncio.

Nossa cultura teme o silêncio, pois, por diversos motivos, tem medo do tédio. Mas gostaria de destacar um em especial: o tédio nos faz confrontar a imensidão e a complexidade que existe dentro de nós.

Ao fazer isso, o tédio nos convoca a pensar de forma autêntica e ativa sobre o nosso caminho e nossa razão de ser — e isso pode ser muito complicado e até dolorido.

Há tantas opções disponíveis para ocupar a mente, e mesmo que elas sejam ruins e inúteis, as preferimos a nos depararmos com isso.

O grande problema de nos permitirmos preencher com entretenimento barato e amenizar qualquer tipo de pequeno incômodo é que isso deixa o organismo cada vez mais acostumado e viciado em não prestar atenção.

E quando não prestamos atenção, fica muito difícil mesmo entender e apreciar as coisas da vida real, do dia a dia. Fica muito difícil sentir prazer, satisfação e felicidade de verdade — sem presença.

Nossa atenção é um fenômeno seletivo e não se dispersa facilmente. Você pode até conseguir fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo, mas prestará menos atenção a uma delas — como comer e assistir vídeos no seu celular simultaneamente.

Infelizmente, por mais saboroso que seja o alimento, ele dificilmente conseguirá competir com os estímulos complexos com os quais seu celular foi propositalmente projetado para capturar sua atenção, acima de tudo.

  • Ao não prestar atenção às mordidas, aos sabores e no seu nível de saciação ao comer, pode simplesmente querer um pouco mais ao terminar, e depois mais e mais.

Isso porque seu cérebro não deu tanta atenção ao que entrou no seu corpo quanto no vídeo bacana do Instagram com uma música chiclete.

Não é fácil apenas comer, ler, trabalhar ou apenas fazer um exercício e sentir seus músculos sendo estimulados. Não é fácil.

Não é fácil parar por alguns instantes e observar o céu ou as pessoas ao seu redor, seja na fila do supermercado ou esperando pelo médico.

Não é fácil suportar o trânsito sem um podcast ou uma trilha sonora, nem mesmo ouvir a pessoa do seu lado contar sobre o dia dela. Não é fácil.

Mas treinar isso pode aumentar seu nível de atenção, presença e, consequentemente, sua RESILIÊNCIA em relação a incômodos e sofrimentos — parte da vida de todos.

  • Além disso, pode promover a SATISFAÇÃO com a vida normal, cotidiana e cheia de pequenos milagres, que é do que a realidade, majoritariamente, se constitui.

Não seria bom sentir-se bem com isso? Se você tentar fazer as pazes com o silêncio e o tédio, eles podem te convidar a olhar para alguns detalhes que antes passavam despercebidos — e que te mostrarão que isso é possível.

DESAFIO DO DIA

Quase 55% dos que votaram (222 pessoas) na enquete da edição anterior (24/06) disseram ter conseguido entender e anotar o que lhes causa medo de sofrer. Abaixo, alguns comentários:

❤️ “O amor. Percebi que não me permito entrar em relacionamentos pois tenho medo de sofrer, e assim afasto todo o tipo de relacionamento — e acabo sofrendo porque isso me afasta do meu sonho de casar e ter uma família.

💼 “O meu maior medo é não conseguir um emprego estável e bom nos dias de hoje; mesmo a pessoa se esforçando muito, tudo é incerto.😥”

🆕 Consegui entender que a exposição me faz ter medo de sofrer. Então, tentar algo novo, dar minha opinião sincera, me posicionar e até me abrir para relacionamentos. Tudo isso são tipos de exposição que fazem parte da vida e são fundamentais para o meu crescimento como pessoa, mas que me causa medo por causa do julgamento e rejeição aos quais essas situações me expõem. Mas eu cansei de deixar de viver plenamente, e, principalmente, de me reprimir por causa do medo.

E sobre o desafio da última edição: Você conseguiu observar onde você tem passado do ponto, seja no trabalho, nas cobranças, no controle ou no consumo?

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Vamos para o desafio de hoje…

O desafio de hoje não poderia ser diferente:

Em algum momento do seu dia, tente ficar em silêncio. Pode ser no trânsito, na academia, ao chegar em casa ou em qualquer pausa no meio do dia.

Se o tédio e a vontade de preenchê-lo surgirem instantaneamente, acolha-os e mande-os embora por alguns minutos. Acredito que você seja capaz de resistir.

FILOSOFANDO

tradução: em amorosa memória

É melhor a casa onde há luto do que onde há festa.

Eclesiastes 7:2

Após escrever o POV sobre a morte, alguns leitores me mandaram essa frase. Confesso que ela me desafiou. Precisei reler, digerir e refletir.

  • Curiosamente, é algo que meu pai — judeu e avesso a festas — sempre disse, e que por muito tempo eu não entendi.

Mas hoje, decidi ir mais a fundo. Primeiro, quero deixar claro que a frase não diz que festejar é errado — inclusive, eu adoro festa.

Acredito que precisamos, sim, celebrar momentos alegres, principalmente quando a celebração é sobre algo verdadeiro: uma vida feliz, uma relação harmoniosa ou uma conquista alcançada após muita luta.

Contudo, podemos dizer que uma casa onde que só há festa e não há a sensibilidade de viver o luto é provavelmente uma casa vazia, superficial e sem verdade.

É preciso viver a dor. Luto é silêncio, presença e essência. A casa onde há luto não é melhor porque é triste, mas porque é lúcida. Ela te obriga a lembrar do que realmente importa.

A dor que evitamos pode ser justamente o que nos ensina a viver, pois, paradoxalmente, é encarando o fim que começamos a valorizar o meio. Talvez essa frase antiga, que antes me parecia sombria, esteja apenas lembrando-nos de um segredo essencial: o agora é sagrado.

@Gabi

DESABAFO

Tenho 35 anos e sou casada. Nunca foi um sonho ser mãe, mas, como a idade vai chegando, vem a dúvida e a autocobrança para decidir sobre isso (além das amigas gestantes e com crianças). Será que vou me arrepender de não ter um filho mais tarde? Sempre trabalhei muito e sonhei em conseguir uma estabilidade (ainda busco). Meu marido não me cobra isso, mas eu fico muito aflita sobre essa decisão.

Escolhi esse desabafo porque ele aborda uma dúvida silenciosa que muitas mulheres enfrentam — às vezes, até sem coragem de verbalizá-la. A escolha pela maternidade (ou não) ainda é cercada de culpa, pressões externas e uma avalanche de "e se?"s.

A realidade é que a maternidade não deveria ser um antídoto para o medo de se arrepender. Filho não é plano de segurança emocional. Filho é presença, responsabilidade, entrega e um chamado que precisa vir de dentro.

  • Quando esse chamado não chega, está tudo bem também. Seu valor, seu propósito e sua completude não estão condicionados a isso.

Você ainda busca estabilidade — e talvez essa seja uma pista. Talvez você esteja em um momento de construir chão. Mesmo assim, se um dia o desejo de ser mãe surgir com força, o tempo (com ajuda da ciência ou da vida) pode abrir caminhos que hoje parecem fechados.

O mais importante é lembrar que quem vive decidindo com base no medo nunca escolhe com base em si.

Tenho uma amizade de mais de 20 anos, mas tenho me incomodado e pensado muito sobre como ainda somos amigas apenas pelo tempo de amizade. Não temos muitos valores e objetivos em comum, e cada vez mais a percebo como uma pessoa manipuladora, que conta histórias de maneira a favorecê-la, que quer as coisas sempre do jeito dela, que quer sempre ser o centro das atenções — e isso tudo tem me incomodado. Como lidar?

Essa pergunta aborda um ponto muito delicado: a lealdade ao histórico vs. a lealdade a si mesma. Às vezes, manter uma amizade antiga passa a parecer mais um débito emocional do que uma troca genuína — inclusive, falo sobre isso neste episódio.

A realidade é que crescer também significa perceber que nem todo mundo vai crescer junto — e tudo bem. Você não precisa transformar isso nem em briga, nem em uma culpa que carregue sozinha. Mas é preciso, sim, escutar-se.

O tempo não justifica tudo. Amizade não deveria ser mantida só porque “ela esteve lá desde sempre”, mas sim porque ainda existe espaço para verdade, apoio mútuo e alegria compartilhada. Se hoje essa pessoa te manipula, distorce os fatos e te faz se sentir pequena, o que exatamente você está preservando?

No fim, você não precisa manter uma amizade só por ela ser antiga. Você merece manter apenas as que continuam verdadeiras.

@Gabi

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NA GAVETA
  1. Você tem se cobrado demais? Tem pensado muito no que o outro vai pensar? Escute isto!

  2. Puro romance no ar com essa música.

  3. Ainda sobre o silêncio.

  4. Adorei essa série!

  5. Aqui estão 5 lições de vida que aprendi empreendendo.

LAST BUT NOT LEAST

Ou você tenta ou fica imaginando como seria.

RODAPÉ

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